domingo, março 13, 2011

Sobre menina e avó

     Não faz muito tempo que estive com minha avó pela última vez, no entanto parece que faz anos a fio. O tempo é mesmo algo muito relativo. Um dos maiores medos que tive ao perdê-la para o inexplicável da vida, foi o de esquecer o seu rosto. É muito estranho, aos poucos vamos apagando cruelmente a face de quem tanto amamos... Nesses momentos só nos sobram as fotografias e um exercício de memória afiado.

     Passamos boa parte da vida juntas, sem muito diálogo, é bem verdade. Mas tenho cá para mim que não fora por falta de assunto. Havia um entendimento silencioso, como o encontro da mão esquerda com a direita; elas sempre se entendem, sem a necessidade de acordos prévios. Juntas, fizemos de tudo um pouco: fantasia de carnaval, limpeza de casa, choramos e sorrimos com novelas, brigamos, e lógico, cozinhamos muito! Se bem que a reclamação sempre fora uma tônica, “cozinha não é lugar de criança!” Esforço vão, eu sempre retornava ao fogão.

     De meu passado mais remoto, lembro-me, perfeitamente, das manhãs na escola. Fui uma aluna do Centro de desenvolvimento da criança (CEDEC), uma escolinha simpática, no bairro da Iputinga, daquelas cheia de professorinhas... Estudava com meu amigo de infância, o André Luiz; vizinho frontal da casa de minha avó. O André era louco por bolo de chocolate com cobertura de brigadeiro, e, se não me falha a memória, ele gostava muito de queijo coalho assado... Voltávamos juntos da escola, e, a bem da verdade, chegar à casa de vovó sempre fora uma alegria bem maior que estar entre os meus amigos em sala de aula. Vinha correndo, pois bem sabia que a casa estaria com gosto de almoço... O melhor de todos. Vamos lá, nossa infância tem cheiros tão específicos, que nenhum perfumista conseguiria reproduzir.

     Quando pequenina, de manhãzinha sempre comia banana frita, canela e açúcar, pão assadinho com queijo; ao meio-dia, o aroma vinha de uns bolinhos de carne fritos e deitados em um molho de tomate bem vermelhinho, para acompanhar um macarrãozinho bem simples, desses de sêmola, bem baratinho. Ver minha avó Laura - em uma gloriosa manhã sem aula - fazendo tal quitute, foi um dos grandes aprendizados de culinária da minha vida. Aquela imagem dos bolinhos dourados, repousando em uma arupema forrada com papel madeira, me impressiona até hoje. Entendi que comida boa se fazia de maneira muito simples, despretensiosamente. Lá pela tardinha tinha cocada, sequilhos de coco, ou um bolo bem tradicional em minha família: ele era fofinho e tinha abacaxi, ameixas e calda de caramelo. Comi tanto desse danado que enjoei. No iniciozinho da noite, sempre tinha canja, ou sopa de feijão; nada de requintes gastronômicos, mas, sem dúvida, a comida mais alegre que experimentei em minha infância.

     De todos os clássicos da cozinha de minha vida, o mais cultuado, sem dúvida, que foi a galinha ao molho pardo; acompanhada de batatinhas e arroz branquinho. Na época o sangue da galinha era vendido ainda quente em uma granja na Avenida Caxangá. Eles matavam a galinha e enchiam aqueles saquinhos transparentes com sangue fresco, eram inacreditáveis. Comprei muito sangue pisado como quem compra pão fresquinho. Tenho certeza que nenhuma comida jamais terá o mesmo sabor daquelas feitas pela minha avó, dizem que é o afeto que envolve o momento; elas eram plenas de carinho e a atmosfera daquela cozinha velha não se repetirá. A isso, em certa medida, já me acostumei.

     Agora vou atrás das receitas de Laura Lira, de seus cadernos antigos... Que tal colocarmos em prática suas anotações? Se funcionar - isto é, se ficar bonito, gostoso e cheiroso - publico os resultados. Vou fotografar o prato finalizado. Divido com vocês a minha alegria de rever receitas antigas, escritas com letras desenhadas, tipos caligráficos, já não mais existentes.

À Laura Lira in memorian

9 comentários:

  1. Milinha,
    Adorei teu blog. Fofo como só tu podes ser!
    Estarei te acompanhando.
    Saudades.
    Super Beijo,
    Marcão

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  2. Mila,
    Com sabor e com afeto, vou aguardar as novas postagens do seu blog. É bom lhe ver escrevinhando pelaí. Beijo doce, Cristina

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  3. esse blog me parece uma delícia! huummmmm... vai no meu tb: http://isabelle-obeijodaborboleta.blogspot.com/
    bjs!

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  4. Camila,
    O teu blog tem cara de domingo ensolarado. Leve, colorido, temperado na medida certa.
    Vou virar leitora assídua! :)
    talita

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  5. Milinha,
    Quero Provar tudinho! Parabéns pela ideia!
    9.549.393.939,5 Beijos!
    Andy

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  6. Marquinho,

    Nem sei se você se arrisca na cozinha, mas com as receitas do bolinha vai ficar fácil! Vou escrever em forma de bate-papo, vou postar imagens lindas e vídeos também. Meu bloguinho é mesmo fofo, todo cor de confeito antigo. É um espaço para os amigos do peito. Entre, conte histórias engraçadas, lembranças de infância ou mesmo situações catastróficas com culinária e amores...Vamos rir bem muito! E se você não encara a cozinha, com o bolinha é um bom momento para começar!!!!
    Miloca

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  7. Cris,

    No meu coração tem um super edifícil estruturado, meio frio, meio objetivo demais, meio deselegante, com mais de um século e meio de existência. Mas no último andar, tem uma cobertura de lá podemos ver o sol, e beija-flores e pessoas; esse lugar é todo seu, foi reservado só para você.
    Agora cê também vai virar cozinheira...Pede para a Bárbara virar seguidora, diz para ela que terá brigadeiros, cupcake, beijinhos de amor.Ela leva jeito para cozinha é só ficar perto de Sandrinha que tudo anda!
    Miloca

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  8. Talita,
    Vou montar um sessão chamada Bolinha recebe, só para receber os amigos na cozinha, fotografar e postar o resultado da bagunçã. Você deve participar de um desses post. Agente vai marcar com Cris e Renatinha, será um encontro de fofas, bem delicado, com chá inglês de jasmin, docinhos e quem sabe uma torta de morango com muito chantilly...Refri geladinho e muita fofoquinha de amigas! Sei que Renatinha gosta de docinhos, a Cris também...
    Bejocas
    Miloca

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  9. Isabelle,

    Vai ser um blog gostosos mesmo, vou te contar voinha cozinhava muito bem. E as receitas eu vou remodelar, reinventar. Cê gosta de cozinha? Sei que tens filhotes lindos, as crianças vão adorar as receitinhas de doces. Pode colecionar todas, só vou postar tudo que experimentar antes, vai ter sempre fotografias para provar que foi feito mesmo! Aguardo suas intervenções, contribua com idéias, com histórias e experiências na cozinha. Como você é mãe, deve ter boas tiradas dos filhotes.
    Milinha

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