segunda-feira, abril 04, 2011

Bolo caramelado de abacaxi: oi Deinha!

      Vamos lá, toda família tem a sua sobremesa favorita de fim de semana. Algumas de tão clássicas se tornam eternas. Não é raro encontrarmos pessoas que já não agüentam mais nem ver aquele pudim de leite, realizado divinamente, há trinta anos...
     Bem, minha família elegeu um bolo de abacaxi caramelado para esse período de descanso. Tenho uma prima chamada Nadja, ela não quer nem ouvir falar desse bolo. A sua mãe, minha tia Marlene (figura muito divertida; das tias a que melhor sabe viver!), fez tal bolo um milhão de vezes, logo ele virou um terror gastronômico.


                                             

     Eu mesma passei uma infância inteira comendo esse bolo; só de pensar, o gosto dele vem todo na boca. Uma espécie de memória olfativa: ele é doce e azedinho ao mesmo tempo, na sua massa encontramos aroma de casquinha de limão raspada e o caramelo dá um toque meio amargo que é inconfundivelmente delicioso.
    Quando está assando, a cozinha fica com um cheiro encorpado de abacaxi curtido ao sol; segunda nota de um delicioso perfume de pirulito de açúcar queimado (daqueles comprado em parque de diversões); e como composição de fundo aquele aroma de bolo de trigo, bem simples. É uma delícia, bem leve e fácil de fazer!










     Na realidade, ele não passa de uma boa massa de bolo de trigo deitada em uma forma previamente caramelada e forrada com rodelas de abacaxi e ameixa. Logo, tive que escolher uma receita desse bolo branco: encontrei umas trinta descrições nos cadernos de voinha. Usei o coração para escolher uma delas. Ganhou a da Deinha, minha vizinha de infância. A casa dela ficava ao lado da de minha avó. Lanchei várias vezes esse bolo com minha amiga, geralmente de tardinha, depois que agente tomava banho e ficava arrumada, com aquele cheirinho de lavanda infantil. A mãe da Déia, D. Ilda, fazia essa receita super bem. Um dia sismei de anotá-la, durante anos ela foi a base desse bolo de abacaxi: uma receita inter-famílias. Em homenagem aos vizinhos à moda antiga (sem muita cerimônia para os encontros!) segue aí a velha torta de abacaxi.


     Antes de mais nada, você deve ter em casa quatro xícaras de açúcar cristal, daqueles bem grosseiro, para fazer o caramelo que vai forrar a assadeira do bolo. Quanto mais roots for o açúcar, melhor o caramelo. Em seguida providencie a compra dos ingredientes. Da feira traga um abacaxi bem madurinho, com a casca amarelinha e de bom tamanho: aqueles muito pequenos costumam ser azedos demais. Aproveite e vá até a ala de condimentos e castanhas, lá chegando, compre também algumas ameixas secas, uns duzentos gramas. Do mercado traga a farinha de trigo novinha, aquela que já vem com fermento: quatro xícaras serão o suficiente para a massa. Apesar de trabalharmos com essa farinha fermentada, o fermento biológico é muito necessário, vai deixar o bolo branco bem fofinho: duas colherinhas de café resolvem tudo. O açúcar deve ser aquele bem fininho, quase uma poeira branca: três xícaras adoçam a massa. Peneire tudo, para a mistura ficar bem lisinha.

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   Retire da geladeira um pacote de margarina de boa qualidade, duzentos e cinqüenta gramas vai deixar a massa bem molhadinha. Quatro gemas, em temperatura natural, para dar aquele amarelo bem bonito ao bolo. Sim, não se esqueça de separar as claras e batê-las em neve, bem firme! Uma xícara de leite de vaca integral, para dar o ponto ideal ao cozimento e diluir os ingredientes.
     Mãos a obra! Pegue uma panela funda, se for de Teflon melhor ainda. Coloque as quatro xícaras de açúcar cristal grosseiro e deixe derreter em fogo bem baixo até chegar no ponto de pirulito. Precisa paciência com esse fogo lento, caso contrário o açúcar vai queimar todinho e deixar um gosto ruim no bolo. Assim que o açúcar derreter todinho, o caramelo vai estar pronto, fica parecendo um espelho de cor dourada clarinha e intensa. Espalhe o caramelo, ainda bem quente, em uma fôrma de metal redonda. Passe o melado em todos os cantinhos, inclusive nas laterais. Descasque o abacaxi, corte-o em rodelas e depois retire o miolo com uma faca de ponta fina: deite-as na forma caramelada e no centro de cada rodela coloque uma ameixa sem caroço. Deixe a fôrma pronta e separada.






     Eu misturei os ingredientes da maneira mais clássica o possível. Juntei a manteiga com o açúcar peneirado, bati na batedeira até ficar um creminho bem clarinho e sem grumos. Sei lá, acho que bati por quatro minutos, ficou bem fofinho. Em seguida, peguei a velha e boa colher de pau. Com ela acrescentei o trigo e o fermento peneirados, mexi bem de leve até a massa ficar homogênea. Fui colocando as gemas uma a uma, a massa foi mudando de cor, ficando um bege bem delicado. Logicamente que ela, nesse ponto, estará um pouco ressequida. Acrescente então uma xícara de leite de vaca e mexa delicadamente, a consistência ficará mais fininha. Por último, coloque às claras em neve. O cuidado com a mistura deve ser dobrado, pois, se bater com força, a massa vai ficar muito pesada. O bolo branco deve ficar com a massa bem airada. No mais, ela fica muito gostosa! Dá para comer purinha, crua mesmo, eu adoro! Agora é só despejar tudo na forma caramelada.





















     Deixe assar por 45 minutos em forno médio, após esse tempo determinado, enfie um macarrão cru no centro do bolo para ver se já está assado, se o macarrão sair bem limpinho o bolo está pronto, caso contrário deve levar um pouco mais de calor. Retire do forno e deixe esfriar por meia hora. Para desenformar é só colocar a fôrma em cima de uma boca de fogão acesa, o fogo fará com que o caramelo amoleça um pouco e fique fácil retirar o bolo de uma maneira bem bonita.
      Essa receita serve bem dez pessoas que gostam de doces e se fartam com uma boa fatia de bolo. Pode servi-lo com uma taça de frisante branco bem geladinho, ou um vinho do Porto seguido de café forte; é luxo e riqueza! A todos um bom outono, com cheirinho de fruta fresca!


OBS: qualquer dúvida é só escrever, terei prazer em responder!

Mila Targino


sábado, abril 02, 2011

O que não somos!

Seguirei por eliminação. Vou contar a vocês o que o bolinha de mequeijão não é. Lá pelas tantas descubro o que ele afetivamente é. O engraçado é que meus amigos dizem que este post que agora escrevo deveria ter sido o primeiro; de pronto eu teria que dizer o que queria fazer com um blog. Fato é que descubro as coisas muito lentamente. Acho mesmo que amo processos mais estendidos no tempo, sei bem que isso é mal visto em alguns setores de nossa sociedade... Paciência, não dá para agradar a todos. Vou devagarzinho descobrindo o que quero com a vida, e o que a vida vai querer de mim.
            O bolinha não é um blog de gastronomia refinada/chique (no pior sentido desses termos).  Nada contra, mas aqui evitaremos os jargões da área, também não utilizaremos ingredientes raros, aqueles quase impossíveis aos pobres mortais. Na medida do possível explicaremos os detalhes, mostraremos os cortes de maneira bem simples, tudo com muito carinho.
             Portanto, se você adora caviar retirado do Esturjão nos seus últimos quinze minutos de vida, desista! Aqui não terás a boa sorte de encontrá-lo... Também não utilizaremos o mais caro e sofisticado açafrão do mundo; aquele dourado, com um perfume único, com preço equivalente ou superior a grama do ouro, cultivados no Marrocos ou na Espanha... Um potinho de supermercado com a especiaria resolve bem nossos desejos gustativos.
            É isso: por mais deliciosas que sejam essas iguarias (disso, não duvido!), o bolinha não vai priorizá-las. Não é por nada, mas minha avó, Laura Lira (I post  -  Sobre menina e avó), nem sonhava com tais ingredientes, muito provavelmente não agradaria seu paladar agrestino. Era uma pessoa muito simples, gostava mesmo de coisas prosaicas, cotidianas. Ir à feira de orgânicos bem cedinho era um de seus rituais mais cultuados: cenourinha, couve e banana, seus favoritos.
            Outro dia me escreveram perguntando se o blog ensinaria aos leitores a arte da culinária... Perguntei-me abismada se existia curso para isso? A formação deve ser em gastronomia e lógico que a culinária faz parte desse universo. Não, nem passa pela minha cabeça tamanha loucura, mesmo porque não tenho formação para tanto, nem tampouco interesse para com o ensino didático. No bolinha, não ensino nada; com ele, na verdade, desaprendo vícios muito chatos, como por exemplo, cozinhar por obrigação.
            Ele também não é um blog única e exclusivamente de receitas de culinária descritas formalmente. Não me sinto obrigada a postar ingredientes e modos de preparo de maneira tradicional: uma folha de louro, cebolas à julienne, e rodelas de calabresa... Primeiro doure as cebolas, depois coloque a calabresa, por último... Não! Definitivamente não curto a forma como as receitas são comumente descritas. Nunca entendi a existência de uma divisão, quase canônica, que separa os ingredientes da realização que lhe dará forma final. É tanta sistematização que quando acabamos de fazer o prato, descobrimos que só trabalhamos e que o processo não teve a menor graça. Em prosa as receitas ficam mais engraçadas - talvez menos eficaz, menos objetivas, é bem verdade - porém, mais gostosas de serem realizadas, mais vivas. Portanto, não se preocupem se o blog soar um tanto experimental; é assim que ele deve ser! Eu gosto de culinária de uma maneira bastante peculiar, já meio fora de moda e um tanto perdida na avalanche dos fast-foods e das franquias gastronômicas.
            Esse delicado blog se refere a antigas lembranças, tenta retomar uma escrita lírica das receitas, como uma boa prosa de fim de tarde. À medida que escrevo sobre as receitas antigas, me lembro dos acontecimentos cotidianos que deram força e filtraram o sangue de minha família. Aqui, falo de amor e sua antiga relação com os alimentos. Afinal, quem não passou longa data dentro de uma cozinha por puro carinho? Sem nenhuma explicação racional, esperou amigos, reuniu a família, agradou ao namorado, mimou os filhotes?
             O bolinha, então, além de muitas receitas, se aventurará com produções de vídeos, postagens de podcasts, e fotografias. Tudo realizado no melhor dos estilos: o simples. Com câmeras digitais bem básicas e câmeras de vídeo nada sofisticadas... Caprichamos mesmo é na produção da receitinha. Vamos atrás de entrevistas inusitadas: que tal conhecer as lembranças e sua relação com a cozinha dos melhores chefs de Pernambuco? Pois bem, tentarei ser recebidas pelos grandes nomes da gastronomia de meu Estado para conversar sobre coisas pequenas, quase irrisórias, não fossem elas o perfeito amálgama que une os pedaços do Ser. Sem as delicadezas da cozinha em família somos como quebra-cabeça sem encaixe... Tudo fica estranho. Assim, digo logo: esse espaço só serve para uma única coisa, fazer festas com os que amamos; a eles um corajoso convite com a mais bela assertiva: “A festins de bravos, bravos vão livremente”.

Mila Targino


domingo, março 27, 2011

Velhos cadernos de receitas

O que encontramos quando procuramos receitas antigas? Mofos, muitos deles: coloridos e variados. Minha nossa! As gavetas de minha mãe estão incrivelmente abarrotadas de receitas antigas, são centenas delas. Estão meio amassadas, rasgadas, sujas de poeira, esquecidas no tempo... Apesar da ação humana predatória, ainda podemos encontrá-las em vários formatos espalhadas pelas casas das mulheres da família: cadernos, livros, revistas e apostilas.


















Encontrei também um amontoado de colagens de recortes de revistas e jornais antigos; eles são tantos e tão plurais que se tornam, à um olhar perspicaz, um esboço do quebra-cabeça de uma época. Tem recortes de O cruzeiro, trechos de revista Claudia, pedaços de rótulos de leite condensado e creme de leite... Por fim, não faltaram livros e revistas publicados nos anos 60 e 70; além de apostilas dos anos 90, todas advindas dos incontáveis cursos de culinária realizados pela facção feminina dos Souza. São livros de edições luxuosas, outros bastante mal-amanhados, e ainda revistas de muito mal gosto, daquelas vendidas em bancas, super mal impressas, fora de registro.


Muita paciência foi exercitada para selecionar, recortar, sistematizar e colar as receitas mais interessantes. Esses cadernos são empreendimentos realizados durante toda uma vida; são passado de mão em mão (mão de filhas, é claro!) como se fossem jóias de família ou segredos de alcova. Poucos tem acesso... A contemplada fui eu. Mas acho mesmo que terei muito trabalho para encontrar bons resultados nessas receitas...Separar o joio do trigo será uma necessidade. Mas a brincadeira é um pouco essa! Apesar da bagunça de tanta coisa escrita, a princípio pouco instigante e muito misturada, comecei a abrir lentamente os alfarrábios, e fui encontrando várias receitas lindas no meio do grande zumbido de temperos desalinhados. De pronto, foquei meu olhar nos doces.
Que tal uma série incrível de biscoitos tradicionais da cultura européia? Mördegskakor, um biscoito amanteigado que só a Suécia poderia produzir. Sandkager, os famosos biscoitos dinamarqueses de areia, decorados e temperados com amêndoas e canela. Russinkakor, uns biscoitos de passas crocantes por fora, fofinhos por dentro. Ainda um mimoso biscoitinho natalino chamado Lebkuchen. Essa lindeza da culinária tradicional alemã tem aroma de especiaria e recebem, depois de assados, uma decoração de glacê e laço de fita tão fascinantes que dá vontade de chorar...
































Entre os doces apareceram vários daqueles facilmente encontrados nas festinha de aniversário tipicamente brasileiras, com muito leite condensado e nomes bem delicados. Beijos de amor: leite condensado, amêndoas, nozes e chocolate. O tradicional Beijinho de coco: leite condensado, coco raladinho e um toque de baunilha.
As receitas de bolo, essas se multiplicavam aos borbotões. Um Chokoladekage: bolo de chocolate dinamarquês de massa bem escura, feito com mel e cacau amargo, bastante fofinho, com cinco camadas de chocolate ao leite, uma perdição! Além dessa receita de chocolate, encontrei uma outra feita com óleo de canola. Lembro-me bem deste bolo, ele tem uma textura incrivelmente aerada, minha tia costumava fazê-lo com recheio de cerejas com ganache de chocolate branco, lembrava um bolo floresta negra.

Um pé-de-moleque com cheiro de café amargo, esse é ótimo! Com queijo coalho assado... imperdoável. Há 35 festas de São joão que experimento, ele sempre esteve maravilhoso. Mas confesso logo, devoção só tenho mesmo pelo bolo de ameixa ou pelo bolo de noiva. Deste último tenho uma receita tipicamente pernambucana que leva vinho do porto, conhaque e açúcar mascavo. Outro dia estive no Rio de janeiro e me deram uma fatia de bolo de casamento. Nossa Senhora protetora das noivas! O bolo era branco e com recheio de nozes: um sacrilégio. Fiquei alguns minutos olhando para aquela cena sem entender o que acontecia. Pensei com meus botões: que tristeza ser noiva e ganhar um bolo branco...Vamos lá, casamento não é coisa para dar certo! Mas com bolo branco, sem frutas cristalizadas, sem vinho doce, daí a probabilidade do casório desandar é maior; vocês não acham?
































Depois desse momento averiguação do antiquário açucarado, é chegada a hora de botar a mão na massa. Tenho a certeza de que a casa vai ficar com um cheiro bom danado... No próximo domingo postarei meu primeiro teste de receita, uma torta de abacaxi com ameixas, toda caramelada!

Mila Targino

domingo, março 13, 2011

Sobre menina e avó

     Não faz muito tempo que estive com minha avó pela última vez, no entanto parece que faz anos a fio. O tempo é mesmo algo muito relativo. Um dos maiores medos que tive ao perdê-la para o inexplicável da vida, foi o de esquecer o seu rosto. É muito estranho, aos poucos vamos apagando cruelmente a face de quem tanto amamos... Nesses momentos só nos sobram as fotografias e um exercício de memória afiado.

     Passamos boa parte da vida juntas, sem muito diálogo, é bem verdade. Mas tenho cá para mim que não fora por falta de assunto. Havia um entendimento silencioso, como o encontro da mão esquerda com a direita; elas sempre se entendem, sem a necessidade de acordos prévios. Juntas, fizemos de tudo um pouco: fantasia de carnaval, limpeza de casa, choramos e sorrimos com novelas, brigamos, e lógico, cozinhamos muito! Se bem que a reclamação sempre fora uma tônica, “cozinha não é lugar de criança!” Esforço vão, eu sempre retornava ao fogão.

     De meu passado mais remoto, lembro-me, perfeitamente, das manhãs na escola. Fui uma aluna do Centro de desenvolvimento da criança (CEDEC), uma escolinha simpática, no bairro da Iputinga, daquelas cheia de professorinhas... Estudava com meu amigo de infância, o André Luiz; vizinho frontal da casa de minha avó. O André era louco por bolo de chocolate com cobertura de brigadeiro, e, se não me falha a memória, ele gostava muito de queijo coalho assado... Voltávamos juntos da escola, e, a bem da verdade, chegar à casa de vovó sempre fora uma alegria bem maior que estar entre os meus amigos em sala de aula. Vinha correndo, pois bem sabia que a casa estaria com gosto de almoço... O melhor de todos. Vamos lá, nossa infância tem cheiros tão específicos, que nenhum perfumista conseguiria reproduzir.

     Quando pequenina, de manhãzinha sempre comia banana frita, canela e açúcar, pão assadinho com queijo; ao meio-dia, o aroma vinha de uns bolinhos de carne fritos e deitados em um molho de tomate bem vermelhinho, para acompanhar um macarrãozinho bem simples, desses de sêmola, bem baratinho. Ver minha avó Laura - em uma gloriosa manhã sem aula - fazendo tal quitute, foi um dos grandes aprendizados de culinária da minha vida. Aquela imagem dos bolinhos dourados, repousando em uma arupema forrada com papel madeira, me impressiona até hoje. Entendi que comida boa se fazia de maneira muito simples, despretensiosamente. Lá pela tardinha tinha cocada, sequilhos de coco, ou um bolo bem tradicional em minha família: ele era fofinho e tinha abacaxi, ameixas e calda de caramelo. Comi tanto desse danado que enjoei. No iniciozinho da noite, sempre tinha canja, ou sopa de feijão; nada de requintes gastronômicos, mas, sem dúvida, a comida mais alegre que experimentei em minha infância.

     De todos os clássicos da cozinha de minha vida, o mais cultuado, sem dúvida, que foi a galinha ao molho pardo; acompanhada de batatinhas e arroz branquinho. Na época o sangue da galinha era vendido ainda quente em uma granja na Avenida Caxangá. Eles matavam a galinha e enchiam aqueles saquinhos transparentes com sangue fresco, eram inacreditáveis. Comprei muito sangue pisado como quem compra pão fresquinho. Tenho certeza que nenhuma comida jamais terá o mesmo sabor daquelas feitas pela minha avó, dizem que é o afeto que envolve o momento; elas eram plenas de carinho e a atmosfera daquela cozinha velha não se repetirá. A isso, em certa medida, já me acostumei.

     Agora vou atrás das receitas de Laura Lira, de seus cadernos antigos... Que tal colocarmos em prática suas anotações? Se funcionar - isto é, se ficar bonito, gostoso e cheiroso - publico os resultados. Vou fotografar o prato finalizado. Divido com vocês a minha alegria de rever receitas antigas, escritas com letras desenhadas, tipos caligráficos, já não mais existentes.

À Laura Lira in memorian